Hachura em Cena

O mundo pulsa através do desenho


Em tempos de excesso de imagens, Hachura em Cena aposta na delicadeza da linha.
Idealizado pelo artista Diego Medeiros , o projeto percorre, desde 2023, diferentes cidades mineiras e o Distrito Federal, levando o desenho de volta ao seu lugar de origem: o gesto.

Mais do que uma oficina, é uma travessia. Entre papéis, nanquins e pausas, os participantes redescobrem a potência do olhar, a observação silenciosa e a materialidade do traço — aquilo que não se explica, mas se sente.


Com poucos recursos e muita atenção, o projeto transforma o desenho em linguagem não verbal, em campo de reflexão e também em espaço de convivência.


Um percurso de paisagens e encontros

A primeira edição aconteceu em 2023 , na Biblioteca Pública Ataliba Lago , em Divinópolis (MG) , acompanhando a exposição homônima Hachura em Cena .
Ali nasceu o programa educativo: um convite à observação das fachadas e ruínas da cidade , à tradução das memórias urbanas por meio da linha. A oficina mostrou que desenhar não é apenas reproduzir o que se vê — é recriar o que se vive .

No mesmo ano, o projeto sólido para a Festa Literária de Carmo da Mata , aproximando o desenho da palavra. Os participantes foram estimulados a escrever o que viam e desenhar o que sentiam. As linhas se tornaram versos, e o gesto gráfico virou poesia. Foi o início de uma nova vertente: o desenho como escrita sensível, capaz de comunicar aquilo que o discurso comum não alcança.

"A Flicar tem o propósito de oferecer literatura e arte em todas as suas manifestações. Proporcionar o encontro com as artes para a comunidade." _ Júnia Paixão, organizadora do evento

Diamantina: entre bambus e ferrugens

No dia 22 de junho de 2024 , o histórico casamento do Ateliê do Choro , em Diamantina , recebeu uma nova edição de Hachura em Cena .

O quintal serviu de ateliê: bambus, orquídeas, pedras e restos de ferrugem com colocados o cenário de observação. Com nanquim e pincel, os participantes exploraram texturas, tramas e sombras, expandindo o espaço em laboratório de descobertas.

A cada pausa, uma conversa. Isaac , 15 anos, trouxe sua pasta de quadrinhos e apresentou personagens inspirados na diversidade e na neurodivergência. "Meu protagonista tem autismo", contorno, mostrando traços de energia, raios e movimento. Sua fala trouxe ao grupo o tema da inclusão , que logo se misturou às linhas do papel.

Mais tarde, os participantes foram desafiados a desenhar uma cadeira — e, depois, a escrevê-laAs formas se transformaram palavras, e as palavras, estrutura: uma poesia concreta nasceu de cada desenho.

A artista Helga Espigão sintetizou o sentimento coletivo:

"Gravetos, ferrugens, concreto. Suspiro, respiro, traço: hachuras. Vou descobrir em meu corpo uma arte que desconhecia: a arte singular das hachuras."

Brasília: Quando o desenho vira manifesto

Em 2025 , o projeto chegou a Brasília , integrando a programação da 5ª Conferência Nacional do Trabalhador e da Trabalhadora .
A proposta, inicialmente uma oficina de observação, transformou-se numa experiência performativa: Dança das Cadeiras .

No centro da instalação, fotografias de miniaturas de cadeiras das décadas de 1940 a 1970 eram iluminadas em silêncio. No chão, uma fita metálica delimitava o espaço — onde deveria haver um mural.
As pessoas observavam, hesitavam, cruzavam a linha. A dúvida virou parte da obra.

"A cadeira se transformou em metáfora de poder, de infância, de ausência."

Diego adiou o início por vinte minutos. Quando se apresentou, falou apenas do processo das imagens. A conversa evoluiu para lembranças, incômodos e desabafos.
A oficina já não era mais oficina: era performance, documento, resistência.
Cada pessoa escreveu sua resposta à pergunta: "Quem tem o direito de se sentar?"

Nos dias seguintes, o gesto reverberou.
Na Esplanada dos Ministérios, artistas ergueram cartazes:
"Arte não é só entretenimento."
"Artista também é trabalhador."
Na Tenda Paulo Freire , o encontro com o legado de Nego Bispo reafirmou o sentido do projeto: a arte como prática de liberdade, como espaço de resistência.


Desenhar é demorar-se

Três anos depois, Hachura em Cena segue seu caminho, criando redes, publicações e memórias compartilhadas. Cada edição é um gesto de permanência num tempo apressado — um exercício de atenção e pertencimento. Não se trata apenas a desenhar; ele ensina a demorar-se , a ver o mundo por camadas, a entender que o traço é uma forma de estar no tempo.

O desenho como linguagem, o gesto como pensamento, o espaço como corpo.
Hachura em Cena é tudo isso — e, sobretudo, um convite para reaprender o olhar.